segunda-feira, 27 de abril de 2015

O que NÃO é plágio? - entrevista concedida ao blog "Foi Plágio" por Débora Diniz e Ana Terra


1. Vocês são autoras de publicações sobre plágio, destacando a prática na escrita acadêmica. Gostaria que vocês falassem sobre procedimentos que NÃO são plágio e, se possível, dessem exemplos. 

O plágio envolve o uso inadequado de um texto por alguém que não exerceu atividade criativa, mas o assina como autor. A adequação de que estamos falando compreende, na comunicação acadêmica, a conformidade às normas bibliográficas —ABNT, APA, Vancouver ou qualquer outra. Nada do que estiver de acordo com as normas poderá ser caracterizado como plágio: citações diretas com aspas e localização precisa da fonte (autor, ano e página), citações indiretas consistentes, com a qualidade de boas paráfrases, indicação completa das referências. Isso é o esperado de um texto acadêmico. Por isso, erros na normalização, como o esquecimento das aspas, podem levar ao plágio. Quando se trata de escritores iniciantes, como estudantes de graduação, esse tipo de equívoco pode até afastar a acusação de fraude, de intencionalidade na falha ética, mas não descaracteriza o plágio. Nas salas de aula, uma má conduta comumente chamada de plágio é a compra de trabalhos prontos: o aluno contrata alguém para fazer seu trabalho e o entrega com sua assinatura ao professor. É claro que há um desvio de autoria aí — é como se o aluno tivesse contratado um ghost writer —, mas não há plágio (só haverá plágio se esse trabalho encomendado tiver uso indevido de criação textual alheia, e então teremos duas condutas enganosas: a compra do trabalho e o plágio textual). Talvez um caso de entrega de trabalho comprado seja mais bem descrito como uma falha do estudante em cumprir seu papel na vida acadêmica — o exercício intelectual da dúvida, compreensão e criação. E obviamente haverá uma sanção para isso, assim como costuma haver para o plágio. 


2. Quais são os cuidados que professoras e professores devem ter ao verificar as informações contidas nos trabalhos acadêmicos, a fim de não acusar, injustamente, estudantes de cometerem plágio ou de outras práticas antiéticas na escrita acadêmica? 

Estudantes são aprendizes de autores, por isso equívocos textuais são esperados e devem ser tratados como oportunidades pedagógicas para o refinamento da escrita. O professor deve estar atento a esse processo de desenvolvimento autoral, orientando sempre; e deve também conhecer as convenções da escrita, a fim de olhar o trabalho dos alunos com boas lentes e guiá-los na direção correta. Um professor que pouco conhece as normas de citação e referência não terá condições de socializar o aluno na escrita acadêmica, por isso é importante que ele esteja também informado e em constante atualização. Há uma parcela crescente de professores que apostam nos softwares caçadores de plágio para inspecionar os trabalhos de seus alunos; essa parece uma alternativa conveniente em um contexto de salas de aula numerosas e sobrecarga docente, mas é preciso cuidado. O uso de softwares traz implicações pedagógicas delicadas, sobre as quais é preciso refletir — a pressuposição de desconfiança do professor perante os alunos é uma delas. 


3. Quais são as medidas legais, e/ou acadêmicas cabíveis, por parte da pessoa acusada injustamente? 

Em geral uma acusação de plágio é dramática, tanto para quem desconfia da infração como para quem sofre a acusação. Por isso é preciso ser sempre cauteloso — analisar com cuidado o material textual, verificar se há materialidade da cópia, e para isso são necessários leitores sensíveis, de preferência que conheçam a literatura da área. E é essencial que o suposto plagiador seja ouvido. Ele pode esclarecer seus percursos textuais e dissipar dúvidas desses leitores. Uma conversa franca entre estudante e professor pode ser o suficiente em casos assim, evitando que o aluno seja ofendido. Nas comissões éticas de universidades, se a cópia não é comprovada, fecha-se o caso e o assunto é encerrado. Não devem ocorrer desenvolvimentos posteriores do episódio, embora a pessoa acusada possa se achar no direito de buscar reparos administrativa ou judicialmente se o caso alcançou maiores proporções, especialmente se houve prejuízos acadêmicos materiais. 


Agradeço sua participação. As informações contidas na entrevista serão publicadas, na íntegra, no blog “Foi Plágio”. Por isso, gostaria que vocês esclarecessem se permitem ou não a identificação. Em caso afirmativo, serão publicados seus nomes completos. Caso haja outros dados que queiram publicados (dados acadêmicos ou links para página da Internet), por favor, escrevam abaixo. Obrigada mais uma vez. 

Identificação autorizada: Debora Diniz e Ana Terra são pesquisadoras da Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero e autoras de Plágio: palavras escondidas (LetrasLivres e Fiocruz, 2014). letraslivres.org.br